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A Journey through the Desert

( First posted in Portuguese,  in March 2016) For Julia , The Princess with the Green Slippers 'Julia! Bernardo!&...

Monday 25 October 2010

O Conto do Girino

           Deixem-me contar como esta coroa passou a fazer parte da herança da minha família.
           Há muitos, muitos anos, a minha bisavó pôs os seus ovos numa linda cama de plantas, rodeada de belos corais brancos.
           Ali, apertados uns contra os outros, estava o meu avô e os seus irmãos, unidos num viscoso abraço. Não passavam de pequenos ovos gelatinosos que nada mais faziam que dormir e observar o mundo exterior, através de um pequeno orifício que cada um tinha no seu ovo.
           Há rumores de que o meu avô era o mais traquina de todos eles. O seu constante balouçar, para encontrar o melhor ângulo de visão, punha os outros enjoados e tontos.
           “Oh, pára!” disse um dos irmãos.
           “Com tanto contorcionismo ainda ficamos tortos e defeituosos,” disse uma das suas irmãs mais nervosas.
           Mas nada do que dissessem mantinha meu avô sossegado.
           “Olha! Olha! Vês aqueles peixinhos brilhantes valsando lá ao fundo?” dizia ele, ignorando os queixumes dos irmãos.”
           “Quando poderei eu ver-me livre destas bolhinhas pegajosas?” ouviam-no dizer muitas vezes.
           “Quando poderei eu brincar entre as conchas e rodopiar nesse espantoso remoinho da corrente?”
           Em boa verdade, quando chegou a hora de deixarem os ovos, todos estavam mais do que ansiosos por explorar o mundo que Taddy Sete – como era conhecido o meu avô – tinha romanceado por tanto tempo e que eles próprios puderam ver dos seus pequenos observatórios.
           “Uáu…olhem para mim. Olhem para mim! Vejam como nado depressa! Livre, finalmente! O Mundo é meu!” gritava o pequeno Taddy Sete.
           “Cuidado, Taddy Sete, não te canses demais,” disse D. Lagosta que vivia do outro lado dos corais. “Lembra-te que há imensos predadores por aí. Tens que poupar energia para quando precisares.”
           No entanto, Taddy Sete continuava a explorar as maravilhas que o rodeavam e cada dia nadava para mais longe que no anterior, regressando com histórias maravilhosas de lugares que tinha visto e de novas criaturas que tinha encontrado.
           Uma manhã, quando olhava a sua imagem reflectida nas brilhantes bochechas de uma pérola branca, reparou, com horror, que tinha dois enormes paus móveis crescendo do seu corpo.
           “Saiam, deixem-me,” dizia enquanto tentava sacudi-los vigorosamente.
           “Socorro! Ajudem-me. Tirem-mos de cima, implorou ele aos seus aterrados irmãos.
           Após o choque inicial, a pequena colónia de girinos depressa se organizou e decidiram arrancar  com as suas bocas aqueles paus que pareciam ter vida própria.
           “Pronto, vamos contar todos até três e puxamos todos aqui,” disse o mais velho dos girinos.
           “Puxamos antes de dizeres três ou depois?” perguntou o girino com aspirações a cientista. “É um, dois e puxamos ou um, dois, três e puxamos?”
           Cinco minutos mais tarde estavam todos preparados.
           “Um, dois, três...Puxem!” E todos puxaram com quanta força tinham.
           “Páaaaarem! Ui que dói!” gritou o meu avô cheio de dores. “Oh! Que desgraça. Nunca me verei livre destes dois horríveis paus!”
           Isto foi demais para a velha senhora Lagosta que tinha sido acordada com toda aquela algazarra. Zangada ao princípio, agarrava-se agora à barriga de tanto rir.
           “Escutem –ah! ah! ah! – admira-me que os vossos pais não vos tenham explicado isso antes de partirem. Isso não são paus mas as vossas próprias pernas traseiras. Todos os jovens girinos têm que passar pelas mesmas metamorfoses até crescerem e serem sapos. Primeiro desenvolvem-se as pernas de trás e depois as da frente. À medida que as pernas crescem, a cauda vai diminuindo, diminuindo até desaparecer por completo. Em breve todos vocês serão uns bonitos sapos verdes; todos vocês aprenderão a saltar e a coaxar.
           Ninguém abriu o bico enquanto a senhora Lagosta Vermelha falava.
           “Será verdade?” pensavam para si próprios.
           Pressentindo a sua incredulidade, a senhora Lagosta Vermelha continuou, “Talvez o Taddy Sete seja um pouco precoce e a sua metamorfose tenha sido acelerado devido a nunca estar quieto. Agora vão brincar para outro lado e deixem-me voltar para a minha caminha quente. Vocês são demasiado barulhentos.
           Os pequenos girinos olharam para trás para verem se lhes tinham crescido também umas pernas. Nenhum as tinha ainda, mas em breve nasceriam.
           Um a um, tal como tinha acontecido ao meu avô, todos os meus tios e tias se transformaram em sapos verdes, de pele lisinha e viscosa, o que era considerado um grande atractivo entre os anfíbios.
           Estavam todos muito orgulhosos do seu corpo e depressa casaram com outros sapos que viviam no mesmo lago. Todos, excepto o meu avô, claro. Ele continuava tão aventureiro comosempre fora, um girino livre.

           Certa vez, numa das suas jornadas, chegou a um pequeno e tranquilo charco coberto de nenúfares. Ficou tão encantado com a beleza que o rodeava que decidiu passar ali algumas semanas de férias.
           Um dia, quando descansava num nenúfar, apanhando banhos de sol e coaxando uma melodia que aprendera há muito, foi abruptamente alertado por um enorme splash, seguido de um grito aflitivo.
           Quando olhou para cima, viu a mais bela criatura que jamais vira. Na altura ele não sabia, mas tratava-se da filha do rei, uma linda princesa, com uma coroa cintilante nos seus longos cabelos dourados...
           Foi amor à primeira vista.
           Nem um pouco assustado, saltou de nenúfar em nenúfar, até à maravilhosa criatura e, na sua mais terna e profunda voz, perguntou por que estava ela a chorar.
           Sobressaltada, recuou, pois toda a gente sabe que os sapos não falam, mas passado o choque inicial, decidiu olhar bem para o sapo para se certificar que tinha realmente falado. E, o que é certo, é que ouviu de novo a mesma simpática e doce voz que soava como um arco-íris na sua alma.
           Decidiu então que não devia ter receio de alguém assim e explicou o que tinha acontecido.
           “Deixei cair a minha bola de ouro no lago e tenho medo de nunca mais a voltar a ver.”
           “Por favor não chores. Espera um pouco e eu vou ver o que posso fazer,' disse-lhe Taddy Sete.
           Mergulhou no charco e, dois minutos depois, reapareceu com a bola dourada segura nas patas da frente e um sorriso estampado na cara.
           “Aqui tem a sua bola, minha linda donzela,” e devolveu-a à princesa.
           A princesa não soube o que a levou a fazer o que fez de seguida, mas estava tão grata ao sapo e tão encantada com a sua voz calma e melodiosa que se ajoelhou e o beijou docemente nos lábios.
           Atordoado e sentindo borboletas soltas, esvoaçando no estômago, Taddy Sete não reparou no estranho fenómeno que transformou a princesa. Quando finalmente abriu os olhos, viu a mais bela fêmea sapo que os seus olhos já tinham contemplado. Ela estava no chão rodeada pela coroa da princesa.
           “Que aconteceu?” perguntou ele.
           “Foi o feitiço. O feitiço foi finalmente quebrado.”
           “Feitiço? Mas que feitiço?”
           “Um horrível sapo-feiticeiro transformou-me em princesa por eu me recusar a casar com o filho. Fez com que me esquecesse completamente do meu passado de sapo e condenou-me a viver como humana. Somente um amor verdadeiro poderia quebrar o feitiço, contou ela ruborizada.
           “Oh,” replicou Taddy Sete já completamente rendido ao amor, “e agora a tua família humana? Não vão sentir a tua falta?”
           “Logo que o feitiço seja quebrado, todas as recordações que tenham de mim serão apagadas das suas memórias...Estou tão feliz por voltar a ser eu outra vez! Obrigada por me teres salvo. Obrigada por não teres tido medo de te aproximares e de falares comigo.”
           “Bem...está a embaraçar-me. Não me custou nada. Penso que foi amor à primeira vista...Foram as feromonas, talvez” disse Taddy desajeitadamente. “Hummm, queres casar comigo?
           Claro que a minha avó disse que sim e eles decidiram fazer a casa nesse lindo charco. E como tinha vivido tanto tempo entre os humanos, a minha avó decidiu construir o seu lar dentro da coroa, e foi assim que a coroa passou a fazer parte do legado da nossa família.

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