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A Journey through the Desert

( First posted in Portuguese,  in March 2016) For Julia , The Princess with the Green Slippers 'Julia! Bernardo!&...

Tuesday 19 October 2010

Quer Chova, Quer Faça Sol

           Não estás aqui. Não telefonas. Não me bates à porta.
           Passei o dia na cama. Nem sequer me levantei para ir comer. Bom, está bem, estou a exagerar, é claro que tive que ir à casa-de-banho uma ou outra vez...Mas foi só fazer o que tinha que fazer e voltar para o aconchego da minha cama.
           Numa dessas raras excursões fora da minha cama, deu para ver que lá fora o tempo estava deprimentemente radioso, o que me fazia sentir ainda pior. Como podia o sol brilhar tanto lá fora, obrigando-me a usar óculos de sol dentro de casa, quando núvens carregadas de um cinzento ameaçador me seguiam por todo o lado, obrigando-me a enrroscar ainda mais debaixo da protecção dos lençóis e cobertores?
           Sem ti sinto-me desprotegida e vazia.

           – Este não foi com certeza o melhor fim-de-semana para virmos passear. Raios e trovões e, ainda por cima, ficarmos sem electricidade!
           – É verdade, Bruno...Mas ao menos tivemos sorte de a luz se ter ido depois de termos acendido a lareira...Anda...vem...aqui para o sofá.
           – Pois, não há muita escolha. Sem luz, não há aquecedores no quarto.
           – Não...Mas aqui estamos quentinhos. Anda, senta-te aqui a meu lado.
           Uns minutos mais de resmunguice por parte do Bruno antes que o silêncio se intalasse na sala.
           – Vanessa...? – disse Bruno, interrompento a qietitude do momento.
           – Diz-me...
           – Este malvado tempo não parece ter-te aborrecido. Como consegues manter a calma? – com a cabeça deitada no colo da Vanessa, a voz dele saía agora suave e somnolenta.
           – …Não sei bem que te diga. O tempo não me parece assim tão mau. Os trovões e a chuva até parecem estar em sintonia...escuta...são como músicos numa orquestra bem conduzida. E a madeira queimada enche a sala de um odor são e acolhedor. Sinto-me bem. Neste preciso momento, não gostaria de estar em mais lado algum.
           Bruno sorri ao ouvir as palavras da sua namorada. Só mesmo ela para perceber música na trovoada e ficar enebriada pelo cheiro do fogo.
           – Mas o tempo custa a passar se estamos para aqui presos sem poder fazer nada.
           – Shhhhh...Não quero que o tempo voe. Deixa-me gozar estes momentos de silêncio interrompido, contigo. Já tinha saudades de ter a tua cabeça no meu colo – diz Vanessa tocando suavemente no cabelo do seu amado. – Sabes, quando estou contigo, faz sempre bom tempo...
           Mas o último comentário apenas foi assimilado pelo inconsciente do adormecido Bruno.

           Bruno já estava farto das reclamações de Sofia. Era a água que estava fria demais, o tempo era tão abafado que lhe esborratava a maquilhagem (porque usava ela maquilhagem estando de férias, ultrapassava-o!), o café que era servido morno e o ice tea parecia ser daquele de pó...enfim, uma interminável lista de coisas que estavam mal e que lhe desagradavam profundamente.
           Ele já se arrependera de ter comprado aquelas férias na República Dominicana. Julgara que
oferecendo estas férias, Sofia se tornaria mais dócil e menos resmungona, mas parece agora que se enganara redondamente.
           Aliás, ele já se arrependera de ter acabado com a Vanessa. Pelo menos as férias com ela haviam sido sempre relaxantes e isentas de críticas e complicações.
           Olhando agora Sofia, dava-se conta que não agira bem, que não havia pensado com a cabeça, que a troca que fizera não o estava a satisfazer. Sofia era um pedaço de mulher, não havia dúvidas, e era bem mais jovem do que Vanessa, mas aquela cabecinha – agora que a novidade havia passado – parecia-lhe demasiado fútil e as suas lamúrias sem fim, estavam a ponto de o tirar do sério.
           Mas agora também não valia a pena fazer nada – iria tentar tirar o maior partido do pacote de férias. No regresso a casa, telefonaria a Vanessa e acabaria tudo com a Sofia.

           – Sim, quem fala?
           – Olá, Vanessa, sou eu...Vanessa? Sou eu,...o Bruno.
           – Sim, sei que és tu.
           – Vanessa, precisamos de falar. Posso ir até aí a casa?
           – Ía agora mesmo sair...E tão pouco sei se há algo para dizermos um ao outro...
           – Vá lá, não sejas assim...E que tal amanhã? Podíamos encontrar-nos amanhã,...que dizes?
           – Amanhã? – a vontade de o voltar a ver era muita e também nenhuma, pois não desejava voltar a sofrer como sofrera. Mesmo assim, ouviu-se a si própria concordar em encontrar-se com ele. – Sim, pode ser, mas não cá em casa, no Baunilha e Canela. Lembras-te onde fica?
           – Sim, claro. Ás 8 da noite?
           – Não, melhor às 4.
           – Bom, está bem, como queiras...Vanessa...?
           – Diz-me.
           – Estás bem?
           – Estou óptima, porque perguntas?
           – É que a tua voz parece diferente.
           É claro que está diferente, seu idiota. Primeiro abandonas-me, dizendo que faltava algo na nossa relação, depois descubro que o que faltava era a tal garota com metade da minha idade. Como querias que eu te falasse agora? Mas em vez de dizer o que lhe ía na alma, o que saiu foi:
           – Está tudo bem. Apanhaste-me de saída, é só isso. Amanhã às 4, então?
           – Sim. Até amanhã. Um beijo.
           As mãos de Vanessa tremiam de tal forma que a simples acção de pousar o auscultador se tornou num desafio.
           Que seria que ele queria depois de três meses de silêncio?
           E ela, sabia o que queria?

           Os dias têm estado tão bonitos, e logo hoje é que tinha que chover torrencialmente. Pelo menos as novas galochas, que lhe poderiam ter custado os olhos da cara, se não tivessem sido compradas nos saldos de fim de estação do ano anterior, serão estreadas!
           Vanessa olhou-se no espelho e gostou do que via. Estava com bom aspecto e apesar de ter levado um tempão a escolher a roupa, sentia-se satisfeita com a escolha: havia acertado em cheio. Um look casual-négligé, como se tivesse pegado na primeira coisita que estava à mão, mas que ficava a matar e emanava uma mensagem perfeitamente ambígua de olha-o-ainda-poderias-ter-mas-que-já-não-tens-e-que-ainda-poderás-vir-a ter-se-a-mim-me-apetecer...
           Sorrindo uma última vez para o seu reflexo no espelho, Vanessa saíu de casa e dirigiu-se para o Baunilha e Canela.

           Quando Bruno chegou ao café, Vanessa já estava sentada a uma mesa bebendo o seu chá de menta.
           – Olá, desculpa o atraso, mas não consegui estacionamento perto... – disse Bruno, limpando a cara molhada da chuva com as mãos e sacudia o cabelo como um poodle molhado – Estás com bom aspecto.
           – Obrigada...e tu estás ensopado! – Vanessa não conseguia evitar rir-se da visão de um Bruno, que mais parecia ter acabado de sair de uma daquelas gigantescas máquinas de lavagem automática de carros. – Porque não vais à casa-de-banho tentar secar um pouco o cabelo. Ainda apanhas uma pneumonia!
           E lá foi ele em direcção aos lavabos, pedindo, de passagem, um Irish coffee à empregada de mesa.

           – Que tempo, hem? – disse ele de regresso à mesa, ainda molhado mas já não a pingar.
           – Sim, mas não marcaste este encontro para me falares do tempo, pois não? – retorquiu Vanessa, num tom um pouco seco.
           – Não, claro que não...Bem, estou a ver que não estás com paciência para rodeios, por isso vou directo ao assunto.
           – Diz-me.
           – Tenho pensado muito em ti...em nós...e cheguei à conclusão que por vezes é preciso perdermos o que temos, para apreciarmos o quanto nos é querido e nos faz falta.. Vanessa, tu és a mulher da minha vida...
           – Alto aí! Tu não me perdeste, deste-me com os pés de um dia para o outro, para ficares com aquela jovem-modelo-look-alike! Ou já te esqueceste?
           – É pá, também não foi bem assim...
           – Ai não? Então diz-me como foi?
           – ...Vanessa, eu vim aqui para te dizer que já vi que fiz asneira e que é contigo que quero ficar. A Sofia...bem, ela é demasiado imatura e demasiado exigente, sempre a reclamar disto, daquilo e daqueloutro, mesmo quando estamos de férias...
           – Estás a ouvir a barbaridade que estás a dizer, Bruno? Estás a dizer que agora queres largar a Sofia para poderes ter umas férias sossegadas!?
           – Não, não é isso. Estás a deturpar tudo o que digo...ou sou eu que não estou a conseguir exprimir-me da melhor forma. Vanessa, eu amo-te! Finalmente vi o que querias dizer com o tempo estar sempre bom quando estávamos juntos...Olha só o tempo que faz hoje e como, mesmo assim, estamos tão bem aqui, não estamos?
           Com esta é que ela não contava, que ele se lembrasse do lhe dissera há tanto tempo. Só que todas as células do seu corpo também lhe diziam que não deveria voltar atrás.
           – Só que agora, – disse, então, calmamente – nestes últimos três meses, descobri que o tempo também pode estar sempre bom quando estou sózinha. Custou-me aprender e a aceitar isso, mas a verdade é que me sinto bem como estou e não quero voltar para trás, para o que fui em tempos; quero continuar o meu caminho, sempre em frente...
           – Estás com outra pessoa, é isso?
           – Não, Bruno, não me estás a ouvir. Estou a dizer que me encontrei e que gosto de quem sou e que não estou disposta a reiniciar um ciclo de vida que não deu resultado da primeira vez.
           – Mas eu estou diferente! Eu também cresci! Agora vejo as coisas mais claras do que nunca e sei que quero estar contigo, só contigo. Quero continuar a crescer contigo. Quero envelhecer ao teu lado.
           – Não faças as coisas mais difíceis do que elas são. O que tivemos que viver, já vivemos. Agora cada um de nós tem que seguir o seu próprio caminho... Não se pode fazer com que o tempo volte atrás...
           – Mas tu, amas-me ainda?
           – Bruno, não insistas... – mas Vanessa não teve tempo de terminar o que ía a dizer, pois Bruno levantou-se da mesa com um 'Então, adeus!', dirigiu-se ao balcão, pagou a conta, e saíu do Baunilha e Canela.

           Vanessa ainda ficou uns dez minutos a olhar para a chuva pela janela, tentando evitar quaisquer pensamentos. Sabia que não podia ter agido de outra forma, pois de masoquista não tinha nada. De repente ouviu um ruido ao seu lado e olhou para cima. Lá estava Bruno outra vez, olhando-a profundamente nos olhos.
           – Não quero que digas nada. Só quero que me oiças. Neste tempo que estivemos separados eu cresci e estou diferente. Podes não acreditar, mas eu era para acabar com a Sofia apenas depois de falar contigo. Para o caso de o resultado ser o de hoje e eu ficar sem nenhuma...mas, não foi isso que aconteceu, pois vi a tempo que seria injusto tanto para ti como para a Sofia...e para mim também. Acabei há duas semanas com a Sofia e só ontem tive a coragem de te telefonar. Quero que saibas que, sim, sou o mesmo Bruno, só que mais maduro...Não tens porque acreditar em mim, mas digo-te na mesma, sei que errei! E também ficas a saber que te quero de volta e que vou voltar a tentar reconquistar-te.
           – Se julgas...
           – Não, nem mais uma palavra! Agora é a minha vez..Por ti...não, por mim, vou arranjar ajuda de um profissional, um terapeuta ou um psicólogo ou lá o que seja e vou tentar resolver quaisquer que sejam os problemas emocionais que eu possa ter para que não volte a perder ninguém como tu. Agora vou deixar-te em paz, mas vou continuar a telefonar-te até voltares a sair comigo, de manhã, de tarde, apenas como amigos, como e quando quiseres, mas podes ter a certeza que mais tarde ou mais cedo vou reconquistar-te...– e com isso, deu meia volta e voltou a sair do café.

           – Papá, Papá, conta-nos novamente a história do concerto dos trovões e da chuva. – gritaram os gémeos em uníssono.
           – Outra vez? Mas vocês já sabem essa história de cor e salteada.
           – Conta, conta-nos mais uma vez, por favooooooor! – suplicou Raquel – É que é uma história tão romântica!
           – Eu gosto da parte em que ficam sem luz e têm que dormir na sala, à frente da lareira, com o ribombar dos trovões. Porque é que nós nunca podemos dormir na sala? – perguntou Ricardo inocentemente.
           – Vá, os dois para a cama – ordenou o pai com um sorriso nos lábios – senão não vos conto a história.
           Escutando a conversa de Bruno com os gémeos por detrás da porta entre-aberta, Vanessa sentia-se invadida por uma onda de calor que lhe trespassava pelo corpo todo. É certo que a sua vida havia dado muitas voltas, mas ao conseguir superar os seus medos e receios, havia encontrado o seu lugar como mulher e ser humano na complicada teia de relações e idiosincrasias humanas.
           Se tinha sido estúpida em voltar a deixar-se seduzir por Bruno? Pois, isso, apenas a ela dizia respeito, mas, se uma coisa havia aprendido na vida é que a felicidade, essa, são meros momentos que se vão num piscar de olhos. Há que estar atenta e aberta para não os deixar escapar. Para além disso, não será arrogância a mais supor uma fraqueza de carácter sua, apenas por ser mulher, a aceitar que o amor também pode levar o homem – a querer tornar-se numa pessoa melhor?
           Se deveria ter permitido que Bruno voltasse a entrar na sua vida? Pois, era evidente que sim e aquele momento de harmonia familiar era bem prova disso.


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