A minha mais recente história, escrita para a filha de uma colega. As instruções da miúda foram: «Quero uma história sobre um camelo que anda perdido no deserto.» Pois bem, o seu desejo foi concedido.
Para a Júlia,
a Princesa dasPantufas
Verdes
-
Júlia! Bernardo! - grita o Grande Mestre.
-
Júlia! Júlia! Bernardo! - Onde estão, gritam várias pessoas ao
mesmo tempo.
-
Júuuuuuuuuuliaaaah! Júlia, querida, diz-nos onde estás! - grita
mãe Gália, na sua própria língua. Estava tão preocupada! Desde
a tempestade de areia de há dois dias que não se sabia de Júlia, a
sua única filhota. O seu coração pesava no seu peito, pois sabia
que a caravana não poderia esperar mais tempo.
Quebrando
o silêncio do deserto, soa um sino. Dling-dlong-dling! Era o
Grande Mestre a chamar todos os trabalhadores para fazer um
comunicado. Dling-dlong! De repente forma-se um círculo com todos
os acrobatas, malabaristas, bailarinas, palhaços, o domador de leão,
o comedor de fogo, o homem-bala, a adivinha e muitos outros
trabalhadores do circo
-
Muito bem, já estão todos aqui. Apesar dos nossos esforços, ainda
não conseguimos encontrar o Macaco Bernardo nem a Camela Júlia.
Infelizmente, não podemos ficar aqui à espera mais tempo. Temos
ainda três dias de viagem até chegarmos ao destino do nosso próximo
espectáculo e também não podemos ficar mais tempo parados no meio
do nada, no meio do deserto, senão vamos ficar sem água e sem
alimentos para nós e para os nossos animais. Toca a carregar os
camelos e as carroças...Partimos daqui a duas horas.
O
olhos da Mãe Gália encheram-se de lágrimas. Sabia que não podia
fazer nada e que teria que seguir com o resto da caravana. Mas Mãe
Gália era uma pessoa forte e sensata, por isso decidiu que se não
encontrassem camela Júlia pelo caminho, regressaria para buscar a
sua filhota e, com um pouco de sorte, o seu amiguinho, o Macaco
Bernardo.
Duas
horas depois a caravana do Circo Fantástico estava a caminho.
A
poucos metros de onde a carvana tinha estado parada, duas dunas
pareciam ter ganho vida. De repente ficaram mais altas e começaram
a jingar-se de um lado para o outro. Oh! Não eram dunas. Não era
areia. Era uma pequena camela que depois de acordar reparou que
estava completamente coberta pela areia.
Levantou-se,
olhou à volta e começou a recordar-se do que tinha acontecido. Há
dois sonos atrás, ela tinha-se levantado para ir fazer um xi-xi
atrás de uma colina de areia e, sem nenhum pré-aviso, o vento
levantou-se e ficou cada vez mais zangado. De tal modo que, mal
tinha acabado de fazer o que tinha ido fazer, viu que estava
enterrada e não conseguia sair sozinha. Lembrava-se de ter gritado
bem alto pela mãe.
- Mãe
Gália! Mãe Gália! Mas o vento era tão forte que lhe levava as
palavras para o lado oposto de onde a caravana e a sua mãe estavam.
Ao
princípio Camela Júlia ficou com medo e até chorou um pouco,
acabou por adormecer e dormiu o sono mais longo que alguma vez
dormira. Ainda abriu um pouco os olhos umas duas vezes; Uma das
vezes devia de ser dia, já que conseguia ver a areia clara à volta
do nariz, da outra era novamente noite, pois nem a ponta do nariz
conseguia ver. Adormeceu de novo.
Dormiu
até ao momento da história em que duas dunas pareciam ganhar vida.
Era a camela Júlia que se tinha cansado de estar deitada debaixo da
areia e começou a fazer força nas pernas para se levantar. Se
calhar a gente do circo e a Mãe Gália não a tinham visto pois,
certamente, alí no deserto, as duas bossas teriam parecido duas
pequenas dunas.
Bom,
onde íamos? Ah, é verdade, a Camela Júlia levantou-se, sacudiu-se
com força e dirigiu-se para onde se lembrava que tinha deixado a
caravana do circo.
- Oh,
não! Mãaaaae Gáaalia! Onde está todo mundo? - gritou a
pequena camela o mais alto que conseguiu.
Mas
não havia nada a fazer. Não se via ninguém.
Agora
confessem lá meninos e meninas. Devem estar a pensar que Camela
Júlia ficou tão deseperada que se atirou ao chão a chorar baba e
ranho. Estavam à espera disso não estavam? Pois fiquem a saber
que nada disso se passou. Camela Júlia era uma camelita forte e
esperta e lembrava-se bem do que a mãe lhe havia ensinado, «Nunca
deseperes. Há sempre uma saída para a situação. Está atenta ao
que se passa à tua volta e aprende com o que os mais velhos dizem.»
- É
isso mesmo! Pensou Camela Júlia. O Grande Mestre disse que tinhamos
que caminhar para Este; é aí que se encontra a pequena terra onde
vamos montar o circo. O sol nasce sempre à nossa direita, a Este, e pôe-se
à esquerda, a Oeste – lembrava-se ela também de ouvir um dia. – Bom, o
sol nasceu há poucas horas, por isso se eu for em direcção ao
sol, devo ir na direcção certa.
-
Júlia! … - gritou do meio do nada o Macaco Bernardo.
-
Aiiiiiiiiii, que susto! - disse Camela Júlia, dando um salto para
trás.
-
Desculpa, amiga. Não te queria assustar, mas fiquei tão contente
por te ver que nem pensei. Olha lá, onde está o resto do pessoal?
-
Bernardo! Que bom ver-te. Pois, também não sei de nada. Há duas
noites houve um vendaval tal que fiquei presa debaixo da areia. Nem
sabes o que me custou sair de lá. E tu? Que fazes aqui sozinho?
-
Sabes, como sou levezinho o vento levou-me para aqueles lados.
Também fiquei desorientado durante algum tempo. Que bom ver-te.
Mas, e os outros?
- Não
sei. - disse Camela Júlia, limpando uma lágrima que se juntava no
canto do olho. - devem ter-se ido embora. Estava agora mesmo a
pensar em seguir caminho, naquela direcção. Por agora temos que ir
em direcção ao Sol. À tarde começamos a mudar para nos mantermos
na direcção de Este.
- Sim,
bora lá. Aqui não vale a pena ficarmos parados.
Passado
algum tempo, Macaco Bernardo já estava às costas da amiga. As suas
pernas eram tão curtinhas que ficavam enterradas na areia. Claro
que ía demasiado lento e áquele passo de caracol nunca mais
chegariam a lado nenhum.
- Ouve
esta adivinha! Como é que se esconde um camelo no deserto? -
pergunta o Macaco Bernardo, com o seu sentido de humor de volta.
- Não
estejas com macacadas agora, não acho piada nenhuma. - respondeu
Camela Júlia.
- Ha,
ha, ha! É fácil – continuou o macaco, ignorando o mau humor da
companheira. – enterra-se na areia e as suas bossas confundem-se
com as dunas...ha, ha, ha.
-Ha-ha-ha
– riu Camela Júlia, baixinho. A verdade é que era um bom
esconderijo. Ela que o diga!
Passado
algum tempo a caminhar pelas colinas de areia, levantou-se novamente
uma ventania que ía levando macaco Bernardo novamente pelos ares.
-
Mete-te entre as bossas, Bernardo. Ficas mais protegido.
Macaco
Bernardo levou algum tempo a responder. É que lhe tinha entrado
areia para a boca e estava um pouco aflito.
-
Chiça! Estou com fome, mas não era areia que queria comer. Agora
precisava mesmo de um pouco de água para limpar a boca...e matar a sede. -
disse Macaco Bernardo, um pouco aflito.
A
Camela Júlia não disse nada. Estava preocupada com o seu amigo.
Sabia que ela conseguiria sobreviver muito tempo sem comida e água.
Afinal para que serviam as duas bossas cheias de gordura boa, senão
para alimentar o corpo quando faltasse paparoca e o líquido
transparente que valia ouro em terras do deserto? Sim, ela
conseguiria sobreviver um tempão sem problemas, mas não o Macaco
Bernardo! Ela não queria que acontecesse nada de mal ao seu
amiguito, o único neste momento, pois os outros estavam em parte
incerta. Teria que encontrar um cacto rapidamente. Poderia
esmagá-lo com a boca e retirar um pouco de líquido lá de dentro
para ajudar o amigo.
Infelizmente
não havia nenhum cacto à vista. Apenas se via areia à frente,
atrás e dos lados. Que aflição!
-
Bernardo! Macaco Bernardo, acorda. Olha alí à frente. Estás a
ver? Há dois cactos enormes, aguenta só um pouco mais, que faltam apenas mais uns metros.
Assim
que chegaram ao pé dos cactos, Camela Júlia virou o pescoço,
agarrou o amigo pelos colarinhos – sim, porque Macaco Bernardo era
um macaco chic que dançava no espectáculo ao som do acordeão do
seu dono – e pô-lo suavemente no chão à sua frente.
Na
altura em que ía abrir a boca para arrancar um pedaço do cacto,
ouviu uma voz esganiçada.
-
Credo! O que é que estás a fazer? Vais ficar com picos no céu na
boca, rapariga!
Mas
Camela Júlia não tinha tempo para perder. Tinha que espremer um
pouco de líquido do cacto para a boca do Macaco Bernardo antes que
lhe acontecesse algo de mal. E foi isso que aconteceu. Squish!
Fsssst! e lá jorrou um fio de água do cacto para a boca seca do
macaco.
- Que
bem que sabe! Obrigada Júlia. Se não fosses tu teria morrido
esganado de sede. - disse Macaco Bernardo com gratidão. Mas, quem
é esta...?
- Olá.
Sou a Mayra, um lagarto do deserto. A sua amiga é um pouco louca
sabe? Arrancou esse pedaço enorme do cacto com a boca!
- Olá,
eu sou Macaco Bernardo e esta é a minha amiga e salvadora, Camela
Júlia. - apresentou-se Macaco Bernardo.
- Olá.
Desculpa se não te falei logo, mas o meu amigo estava numa situação
complicada e tinha que o ajudar o mais rapidamente possível. Não
te preocupes, estás a ver a minha boca? - ao dizer isto, Camela
Júlia abre bem a boca, como se estivesse no dentista.
-Okay
– respondeu Lagarto Mayra, sem saber ao certo o que é que devia
estar a examinar.
- Vês
como a pele do meu céu da boca é grossa? É tão grossa, que os
picos dos cactos não conseguem picar-me. Aliás, os cactos fazem
parte da minha dieta alimentar. A minha mãe diz que nos fazem bem.
- E
onde está a tua mãe? - perguntou Lagarto Mayra, mas logo se
arrependeu quando viu as três estranhas pálpebras pestanudas de
Camela Júlia a cerrarem lentamente com tristeza: primeiro uma
depois outra e por último a última. Que estranho, pensou ela. - Ai
desculpa, não queria que ficasses triste.
-
Lembraste da tempestade de areia que houve há dois sonos atrás?-
perguntou o Macaco Bernardo - Pois eu e Camela Júlia fomos separados
do nosso grupo. Vamos em direcção a Este para tentar encontrá-los.
- Pois
coragem, amigos. Vão encontrá-los com certeza. O importante é
não desmotivarem...Ora bem, vou andando que ainda tenho que ir caçar
o meu jantar. - dito isso, o Lagarto Mayra, virou as costas e foi em
busca de algum escorpião ou cobra para levar para casa.
Começava
a cair a noite quando os dois caminhantes do deserto decidiram parar.
À luz das estrelas vê-se mal o caminho a seguir. Macaco Bernardo
encontrou umas ervitas secas e uma espécie de formigas para o
jantar. Não era nada saboroso, mas pelo menos davam para enganar a
fome. Camela Júlia tinha comido o cacto um pouco antes, por isso
estava bem.
-
Temos que dormir cedo para amanhã nos levantarmos com o sol. - disse
a sábia Camela, tomando a liderança daquela viagem.
-
Júlia? - começou o Macaco um pouco envergonhado.
- Sim?
-
Achas que me posso encostar ao teu pescoço? É que as noites no
deserto ficam mesmo frias. É tão estranho, durante o dia quase que
não se pode andar ao sol por causa do calor...
- Sim,
podes, até agradeço. Normalmente durmo encostada à minha mãe e
rodeada do resto da cáfila e nunca sinto frio. Agora...
-
Cáfila? Que raios é uma cáfila?
- Ó
Brenardo, andas sempre tão distraído. Não te lembras de termos
aprendido os grupos de animais?
- Uma
cáfila é um grupo de camelos; uma capela é um grupo de macacos;
uma matilha é um grupo de cães; uma manada, um conjunto de bois,
búfalos e elefantes, um...
-
Pronto, já entendi. - um pouco aborrecido com a aula de língua que
a amiga lhe estava a dar, mas ao mesmo tempo orgulhoso por ter uma
amiga tão esperta. - Sabes, Júlia, não é que não me interesse,
só que às vezes há coisas tão bonitas na natureza que me distraio
um pouco.
-
Brrrrr! Está mesmo frio. Quem me dera que a minha mãe estivesse
aqui connosco. - disse Camela Júlia baixinho.
- Não
fiques triste, Júlia. Vais ver que amanhã temos sorte. Boa noite.
- Boa
noite, Bernardo. Ainda bem que estás aqui comigo.
-
Também acho. Já imaginaste o que teria sido de mim sozinho pelo
deserto? Já teria virado bacalhau seco, com o calor que faz e a
falta de água.
As
gargalhadas dos dois amigos romperam o silêncio da noite. O Macaco
Bernardo era mesmo engraçado. Bacalhau seco! Imaginem só a imagem
que foi buscar.
Na
manhã seguinte a Camela Júlia e o Macaco Bernardo acordaram com os
primeiros raios de sol. Levantaram-se devagar e espreguiçaram-se os
dois de uma forma muito divertida e, como não havia nada para tomar
ao pequeno almoço, partiram sem demoras em direcção ao sol.
Era
cedo e os raios já estavam bem brilhantes. Demasiado brilhante. De
tal forma brilhantes que o Macaco Bernardo, coitado, teve que pôr o
lenço do pescoço à volta dos olhos.
- A
luz das manhãs é sempre demasiado intensa para mim. - disse ele. -
A ti o sol parece não afectar tanto, porque será?
- Ó
Bernardo, eu sou um animal do deserto, por isso estou mais preparada
para o tempo que aqui faz. Tenho a pele da boca tão dura que os
picos dos cactos não conseguem romper. E já reparaste nas
pestanas grossas que tenho?
- Sim,
e também tens 3 pálpebras. Porquê?
-
Tanto as pestanas como as pálpebras servem para não deixarem entrar
areia nos olhos. Mas eu também acho que me protegem um pouco da luz
do sol.
Uns
minutos depois o coração de Camela Júlia começou a bater mais
rápido. Piscou os olhos umas cinco vezes seguidas para ter a
certeza do que estava a ver. Ao longe, conseguia ver a silhueta de
um outro camelo. Mas aquele andar, ai aquele andar, era-lhe
estranhamente familiar.
-
Bernardo, Bernardo, rápido tira o lenço dos olhos! O que é que vês
além ao fundo?
-
Espera lá. O quê? Não vejo nada! O que é que querias que eu
visse? - perguntou o Macaco Bernardo um pouco irritado por ter que
olhar outra vez para a luz do sol. – Ai, espera, acho que sim, já
estou a ver alguma coisa. É grande e parece que está a correr na
nossa direcção. Acho que nos vai atacar, corre Júlia, corre!
- Não
sejas tonto, Bernardo. Acalma-te lá. Acho, acho que é a minha
mãe. - disse Camela Júlia, com a voz a tremer.
-
Júlia! Júlia!
- Mãe!
Mãe! És mesmo tu?
-
Júlia! Minha menina linda! Tive tanto, tanto medo de te ter
perdido.
- Ó
Mãe, que saudades! Julgava que nunca mais te via. O que é que
aconteceu?
Meia
hora depois, a Mãe Gália já tinha contado a sua história e os
jovens contaram a deles também. Que felizes que estavam todos.
- Bom,
agora vamos lá despachar-nos para ver se apanhamos o resto da
caravana. - disse a Mãe Gália. - A ver se os conseguimos alcançar.
Atrás daquela terceira duna...
- E
tem a certeza que é mesmo uma colina e não a bossa de um camelo? -
perguntou o engraçadinho do Macaco Bernardo.
-
Bernardo! - disseram a Mãe Gália e a Camela Júlia ao mesmo tempo.
Mas
todos deram uma boa gargalhada. Era bom rir para descontrair depois
da aflição que foi estarem separados uns dos outros.
-
Continuando...- disse a Mãe Gália – vamos lá ter com o resto da
caravana. Tenho a certeza que vamos dar uma festa antes de
continuarmos caminho. Vamos lá meus amores que tudo está bem
quando acaba bem.
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Gostei da história porque aprendi coisas novas sobre os camelos, por exemplo, o facto de terem a pele do céu da boca grossa ao ponto de conseguirem comer catos e de terem 3 pálpebras para pritegerem os olhos da areia e da luz solar. A minha personagem favorita é o macaco bernado porque tenho um colega chamado bernado que também tem a mania que é engraçadinho. J.N.
ReplyDeleteObrigada por teres comentado, J.N. Esta é claramente uma história dirigina a um público mais jovem e é sempre bom saber como os jovens reagem a ela. Continuação de boas leituras.
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